segunda-feira, 17 de maio de 2010

Testemunho: Tenho um Filho Surdo


O M. tem uma surdez neurosensorial severa e profunda; foi adquirida através do vírus da rubéola, durante a gravidez.
Os testes que fizeram aos seus reflexos, logo ao nascer, foram óptimos; o seu desenvolvimento era normal e reagia ao som, como as palmas, por exemplo.
Tudo parecia estar bem, mas os meses foram passando e a maneira dele comunicar, assim como o facto de não começar a falar, preocupava-me. Depois de algumas consultas e exames, tivemos a certeza: o meu filho era surdo; parte das células cerebrais que recebem ou descodificam o som tinham sido afectadas pelo vírus da rubéola e estavam mortas.
O médico aconselhou-me o aparelho, porque a pouca audição que ele tinha não era suficiente para aprender a falar, e a ter terapia da fala, que lhe ajudaria a pronunciar correctamente as palavras.
Antes dos três anos, o M. foi aparelhado e tinha terapia da fala duas vezes por semana. Desde então, tem sido uma luta para conseguir tudo o que ele tem direito: A Educação; Um lugar na sociedade.
Aos três anos entrou para a pré-escola, tinha apoio de uma educadora especializada duas vezes por semana, o que não correspondia ao mínimo dos mínimos desejados.
Ao ir para a primária as dificuldades aumentaram; com poucos professores especializados, os apoios eram cada vez mais reduzidos. Nós, os pais, não podíamos compreender porque tínhamos de depender da boa vontade de nos mandarem, do continente para os Açores, uma educadora especializada para apoiar três ou quatro crianças do conselho da Praia da Vitória, quando no conselho ao lado, Angra do Heroísmo, as suas crianças eram apoiadas por uma escola de educação especial, com uma equipa de educadores de infância, professores primários especializados em crianças surdas etambém, uma monitora de língua gestual. É inacreditável como as leis e burocracias deste país são absurdas, injustas e até irracionais, dificultando a vida de quem mais precisa.
Procurei os pais das outras crianças e, de acordo com os professores de educação especial, que eram sensíveis às nossas dificuldades, marcamos uma audiência com o Secretário de Educação Regional. Expusemos o nosso problema e o que pretendíamos – queríamos fazer valer aos nossos filhos o direito à educação, que tinham como qualquer outro cidadão. Hoje existe o núcleo dos surdos de Angra do Heroísmo que, ao contrário de alguns anos atrás, tem alunos até integrado numa escola primária, onde os surdos comunicam com os ouvintes, sendo esta apoiada por uma das professoras do núcleo de surdos que passou a trabalhar no ciclo para poder apoiar as crianças mais velhas que foram passando até ao ensino secundário.
O M. sempre foi uma criança muito meiga e querida por todos que com ele trabalharam e, em qualquer escola onde foi integrado, fez amigos e era admirado pela sua inteligência, perspicácia e sempre muito sociável e alegre. Por estar sempre alegre e bem disposto, o nome gestual dele é o gesto que significa “alegria”. Uma das paixões do M. são os carros. Mal começou a ler já dizia as marcas dos carros mal os avistasse, também adora futebol e nos jogos de computador é o campeão lá da casa.
Agora a paixão dele são as meninas, como qualquer outro adolescente da idade dele. Às vezes, chega todo contente e conta-me que uma menina muito bonita olhou para ele e sorriu. Fica felicíssimo! Outras vezes, fica preocupado e pergunta-me se será que vão gostar dele por ser surdo, mas consigo convencê-lo de que as meninas espertas preferem os meninos simpáticos, inteligentes e educados, não se importando que sejam surdos. Assim lhe passa esta pequena “nuvenzinha negra”.
Assim eu conseguisse afastar todas as nuvens negras da vida dele… Tenho sorte de o M. ser bilingue e poder comunicar oralmente, mas mesmo assim a língua gestual é muito importante para ele. Quando o M. estava no núcleo de surdos, os pais tinham uma hora por semana, durante o ano lectivo de aulas, de língua gestual – o que é muito pouco para aprender uma língua.
A língua gestual é fundamental para os surdos e suas famílias, mas quantas escolas darão língua gestual? No quinto ano é obrigatório aprender uma língua estrangeira. Será que é mais importante perguntar a um turista o que quer comer ou se está satisfeito com o quarto de hotel, do que perguntar a um cidadão surdo português o que sente ao chegar ao hospital, o que precisa ao chegar a um banco ou simplesmente qual a cor da camisa que deseja comprar?
Preocupa-me o futuro dele. Depois do 12º ano como será? Os exames de acesso às universidades são feitos a nível nacional sem qualquer distinção, sendo para muitos surdos impossível passar. E os que conseguirem chegar ao ensino superior? Alguém se lembra de lhes facilitar a vida, garantindo-lhes intérpretes? São muitas “nuvenzinhas negras” que estão por vir. Espero que juntos consigamos afasta-las…

(Sabia que em Portugal existem 150 mil surdos?)


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