Confesso que ia um bocado amedrontada. Afinal, ia entrevistar um dos homens responsáveis por um dos maiores escândalos educativos das últimas décadas, o homem que defendera a urgência do regresso ao poder dos pais contra os todo-poderosos filhos.
Acusado de tudo, de fascista para baixo, o pediatra líbio-francês Aldo Naouri diz que os pais se demitiram do seu papel de educadores e em vez disso se dedicam a satisfazer a criança, com o único desejo de se fazerem amar.
Diz que confundimos frustração com privação. Diz que transmitimos à criança que não só pode ter tudo como tem direito a tudo, içando-a ao topo do edifício familiar, onde ela nunca esteve e onde nunca deveria estar. Diz que um filho hoje não é criado para se tornar ele próprio, mas para gratificar e servir o narcisismo dos pais. Diz que estamos perante uma epidemia que encoraja os pais a seduzirem as crianças, tornando-as assim em seres obsessivos, inseguros, amorfos e emocionalmente ineptos, que não sabem gerir as suas pulsões e são incapazes de encontrar o seu lugar no mundo.
Em resumo, esperava que me recebesse com raios e coriscos, mas, em vez disso, recebeu-me com um sorriso e por entre gargalhadas, falou-se de coisas muito sérias, como aquilo que andamos a fazer às crianças. Ora leiam:
- Então, nada de democracia para as crianças?
- Não. É fundamental que estejam numa relação vertical: os pais em cima, as crianças em baixo. Porque há uma diferença entre educar e criar. Criar é dar-lhe os cuidados básicos, dar-lhe banho, alimentá-lo, etc. Educar é haver qualquer coisa que não existe e que é preciso formar. Por isso a criança não está nunca ao mesmo nível dos pais.
- As mães não se escandalizam com a mudança de hábitos que lhes aconselha?
- Nada disso. As mães estão petrificadas na sua angústia e precisam de se libertar. O que eu quero é que a criança seja para os pais uma fonte de prazer e felicidade, e não um foco de sofrimento e angústia, e para que isso aconteça, os pais têm de estar descontraídos.
- As nossas avós não viviam nessa angústia…
- Pois não. Mas viviam num mundo em que havia três tipos de ordem: Deus, Rei e pai. Esse tipo de ordem fazia com que existisse qualquer coisa que as transcendia. Hoje todo o tipo de transcendência desapareceu, e quem ficou no lugar de Deus? A criança. Às mães que põem o filho nesse altar, eu simplifico a tarefa: digo - Não se cansem dessa maneira. Não se preocupem assim. Ponham-se a vocês próprias em primeiro lugar. Acredito que vão ser capazes, porque é urgente: a bem das crianças, e a bem delas próprias. É preciso fazer as coisas de maneira tranquila, porque a mãe perfeita não existe, o pai perfeito não existe, a criança perfeita não existe.
- Mas as mães hoje têm uma vida tão difícil, é normal que se culpabilizem…
- Não é por trabalharem fora de casa que têm de se sentir culpadas. Peço às mães: lembrem-se do vosso primeiro amor. Quando não o viam durante três dias, morriam de saudades. Mas quando o voltavam a ver, assim que batiam os olhos nele era como se nunca se tivessem separado. Com as crianças, é exactamente igual. Quando tornam a encontrar a mãe, é como se ela nunca tivesse partido.
- Diz que os pais esqueceram o seu papel de educadores porque querem ser amados pelas crianças. Por que é que isto acontece?
- Como todas as crianças, tiveram conflitos com os pais. E como todas as crianças, amam-nos mas guardaram muitos ressentimentos. E não querem que os seus filhos tenham esse tipo de ressentimento em relação a eles. E pensam que a melhor maneira de o fazer é seduzir a criança para que ela o ame. O que é um enorme erro. Porque nesse momento, a relação vertical inverte-se. A hierarquia fica de pernas para o ar, e quando isso acontece, destruímos a criança.
- O problema é que as pessoas confundem autoridade com violência. Autoridade é fazer-se obedecer, não é dar uma palmada, que o senhor aliás desaprova.
- Completamente! Não aprovo palmadas de que género for, nem na mão nem no rabo. Ter autoridade não é agredir a criança. Ter autoridade é dizer: 'Quero isto', e esperar ser obedecido. Quero que faças isto porque eu disse, e pronto. É quando o pai ou a mãe não está seguro do seu poder que a criança tenta ir mais longe. Quando há uma decisão que é assumida pelos pais, ela cumpre-a.
- Uma terapeuta de casal dizia que as pessoas hoje não têm falta de erotismo, dirigem-no é todo para as crianças...
- Sem dúvida. E é isso que é urgente mudar. O slogan 'a criança acima de tudo' deve ser substituído por 'o casal acima de tudo'. A saúde física e psíquica das crianças fabrica-se na cama dos pais.
- Educou os seus filhos da forma que defende?
- Sim, sim, eu eduquei os meus três filhos tranquilamente. A autoridade significa serenidade, não violência. Ainda hoje, que eles já são mais do que adultos, nos reunimos às vezes para jantar.
E acrescenta:
- Uma ordem não tem de ser explicada, tem de ser executada. A explicação que é dada ao mesmo tempo que a ordem apaga a hierarquia. Se quiser explicar, só depois da ordem cumprida. A figura parental nunca, mas nunca, tem de se justificar perante o filho.
Para ler: 'Educar os Filhos', Aldo Naouri, Livros d'Hoje
Acusado de tudo, de fascista para baixo, o pediatra líbio-francês Aldo Naouri diz que os pais se demitiram do seu papel de educadores e em vez disso se dedicam a satisfazer a criança, com o único desejo de se fazerem amar.
Diz que confundimos frustração com privação. Diz que transmitimos à criança que não só pode ter tudo como tem direito a tudo, içando-a ao topo do edifício familiar, onde ela nunca esteve e onde nunca deveria estar. Diz que um filho hoje não é criado para se tornar ele próprio, mas para gratificar e servir o narcisismo dos pais. Diz que estamos perante uma epidemia que encoraja os pais a seduzirem as crianças, tornando-as assim em seres obsessivos, inseguros, amorfos e emocionalmente ineptos, que não sabem gerir as suas pulsões e são incapazes de encontrar o seu lugar no mundo.
Em resumo, esperava que me recebesse com raios e coriscos, mas, em vez disso, recebeu-me com um sorriso e por entre gargalhadas, falou-se de coisas muito sérias, como aquilo que andamos a fazer às crianças. Ora leiam:
- Então, nada de democracia para as crianças?
- Não. É fundamental que estejam numa relação vertical: os pais em cima, as crianças em baixo. Porque há uma diferença entre educar e criar. Criar é dar-lhe os cuidados básicos, dar-lhe banho, alimentá-lo, etc. Educar é haver qualquer coisa que não existe e que é preciso formar. Por isso a criança não está nunca ao mesmo nível dos pais.
- As mães não se escandalizam com a mudança de hábitos que lhes aconselha?
- Nada disso. As mães estão petrificadas na sua angústia e precisam de se libertar. O que eu quero é que a criança seja para os pais uma fonte de prazer e felicidade, e não um foco de sofrimento e angústia, e para que isso aconteça, os pais têm de estar descontraídos.
- As nossas avós não viviam nessa angústia…
- Pois não. Mas viviam num mundo em que havia três tipos de ordem: Deus, Rei e pai. Esse tipo de ordem fazia com que existisse qualquer coisa que as transcendia. Hoje todo o tipo de transcendência desapareceu, e quem ficou no lugar de Deus? A criança. Às mães que põem o filho nesse altar, eu simplifico a tarefa: digo - Não se cansem dessa maneira. Não se preocupem assim. Ponham-se a vocês próprias em primeiro lugar. Acredito que vão ser capazes, porque é urgente: a bem das crianças, e a bem delas próprias. É preciso fazer as coisas de maneira tranquila, porque a mãe perfeita não existe, o pai perfeito não existe, a criança perfeita não existe.
- Mas as mães hoje têm uma vida tão difícil, é normal que se culpabilizem…
- Não é por trabalharem fora de casa que têm de se sentir culpadas. Peço às mães: lembrem-se do vosso primeiro amor. Quando não o viam durante três dias, morriam de saudades. Mas quando o voltavam a ver, assim que batiam os olhos nele era como se nunca se tivessem separado. Com as crianças, é exactamente igual. Quando tornam a encontrar a mãe, é como se ela nunca tivesse partido.
- Diz que os pais esqueceram o seu papel de educadores porque querem ser amados pelas crianças. Por que é que isto acontece?
- Como todas as crianças, tiveram conflitos com os pais. E como todas as crianças, amam-nos mas guardaram muitos ressentimentos. E não querem que os seus filhos tenham esse tipo de ressentimento em relação a eles. E pensam que a melhor maneira de o fazer é seduzir a criança para que ela o ame. O que é um enorme erro. Porque nesse momento, a relação vertical inverte-se. A hierarquia fica de pernas para o ar, e quando isso acontece, destruímos a criança.
- O problema é que as pessoas confundem autoridade com violência. Autoridade é fazer-se obedecer, não é dar uma palmada, que o senhor aliás desaprova.
- Completamente! Não aprovo palmadas de que género for, nem na mão nem no rabo. Ter autoridade não é agredir a criança. Ter autoridade é dizer: 'Quero isto', e esperar ser obedecido. Quero que faças isto porque eu disse, e pronto. É quando o pai ou a mãe não está seguro do seu poder que a criança tenta ir mais longe. Quando há uma decisão que é assumida pelos pais, ela cumpre-a.
- Uma terapeuta de casal dizia que as pessoas hoje não têm falta de erotismo, dirigem-no é todo para as crianças...
- Sem dúvida. E é isso que é urgente mudar. O slogan 'a criança acima de tudo' deve ser substituído por 'o casal acima de tudo'. A saúde física e psíquica das crianças fabrica-se na cama dos pais.
- Educou os seus filhos da forma que defende?
- Sim, sim, eu eduquei os meus três filhos tranquilamente. A autoridade significa serenidade, não violência. Ainda hoje, que eles já são mais do que adultos, nos reunimos às vezes para jantar.
E acrescenta:
- Uma ordem não tem de ser explicada, tem de ser executada. A explicação que é dada ao mesmo tempo que a ordem apaga a hierarquia. Se quiser explicar, só depois da ordem cumprida. A figura parental nunca, mas nunca, tem de se justificar perante o filho.
Para ler: 'Educar os Filhos', Aldo Naouri, Livros d'Hoje
Catarina Fonseca/ACTIVA 10 Fev. 2010
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